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sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Palavras sobre palavras 6

Eliane F.C.Lima

Hoje vamos voltar a falar sobre o que já se começou a fazer em “Literatura de ontem 4”, naquele diálogo tão profícuo entre Castro Alves e Bandeira. A intertextualidade é justamente essa absorção, por assim dizer, de elementos de um texto em outro(s), quer seja no tema, quer seja, principalmente, de elementos explícitos desse naquele. Às vezes esse encontro é involuntário, não há como fugir dele, como se verá na reflexão sobre o assunto enfocado abaixo.
O tema sobre o qual os quatro poemas a seguir são construídos é o jogo lúdico-literário em que cada poeta se vê mergulhado em sua busca pela criação poética, quando, mais do que em qualquer outro tipo de arte, se vê diante de sua fugaz matéria de trabalho, a palavra.
Ter como motivo de seu poema a construção poética faz com que se caminhe em um terreno escorregadio, que é a metalinguagem (para maiores esclarecimentos sobre o termo, vá ao link explicativo, clicando aqui).
Cecília Meireles e Drummond fizeram isso em dois magníficos textos bastante conhecidos.


Voo

Cecília Meireles

Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres,
[as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as
[palavras voam.

E às vezes pousam.

O Lutador

C. Drummond de Andrade

Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
São muitas, eu pouco.
Algumas, tão fortes
como o javali.
Não me julgo louco.
Se o fosse, teria
poder de encantá-las.
Mas lúcido e frio,
apareço e tento
apanhar algumas
para meu sustento
num dia de vida.
Deixam-se enlaçar,
tontas à carícia
e súbito fogem
e não há ameaça
e nem há sevícia
que as traga de novo
ao centro da praça.
(...)

Luto corpo a corpo,
luto todo o tempo,
sem maior proveito
que o da caça ao vento.
Não encontro vestes,
não seguro formas,
é fluido inimigo
que me dobra os músculos
e ri-se das normas
da boa peleja.
(...)

O ciclo do dia
ora se consuma
e o inútil duelo
jamais se resolve.
O teu rosto belo,
ó palavra, esplende
na curva da noite
que toda me envolve.
Tamanha paixão
e nenhum pecúlio.
Cerradas as portas,
a luta prossegue
nas ruas do sono.

(Para fruir esse poema integralmente, o que é imperdoável deixar de fazer, clique aqui).

Podemos perceber que a poetização da busca literária sempre suscita metáforas de mesma natureza. Os títulos dos dois primeiros poemas já sugerem a idéia de uma atividade que envolve a máxima dificuldade. Os três últimos versos do texto de Cecília Meireles são claríssimos nesse sentido. Drummond enuncia que o “inútil duelo jamais se resolve.”
Aproveito para continuar apresentando a poeta Rosângela A. de Castro, que foi homenageada em “Literatura, já 5”, dando-lhes o presente de outro texto.

Lá no tatame

Rosângela Abrahão de Castro

Uma palavra passou voando
alguém pegou
Uma palavra trazia várias.
Estava tudo calmo sem elas
e aí começou o vira e mexe
as palavras as palavras
em que buraco se metem?
em que sendas se embrenham
as palavras as palavras
qual o preço de uma arroba?
quanto se paga por elas?
as palavras as palavras
se arrumam e nos arrumam
tamanha indisposição
as palavras quando falam
levam tudo ao rés-do-chão.

Podemos reconhecer, desde o título, o lutador de Drummond. Se os versos “em que buraco se metem?/em que sendas se embrenham/as palavras as palavras”, de Rosângela, parecem ecoar no “e súbito fogem” do poeta, o “Alheias e nossas as palavras voam.” de Cecília é outra forma de dizer seu “Uma palavra passou voando”.
Coloquei também meu poema de 2007, em cujo título, partindo do vocábulo “Palavra”, chego à idéia que me traduz essa luta poética, do mais fino trabalho e de suor, o cultivo da terra, a colheita, a palavra-semente: lavra.

Lavra

Eliane F.C.Lima

Palavra me traga,
palavra me leva,
palavra me diz,
palavra me doa,
palavra me voa,
palavra me pousa.
Palavra me sente,
palavra-semente.
Palavra espreita,
palavra engana,
palavra tirana...
Palavra revela,
palavra esconde,
palavra, aonde?

Nesse texto, vê-se, ainda, essa mesma relação do embate poeta/palavra, motivado pela esquivança da linguagem – “palavra engana,/palavra tirana... “ – e tal qual nos de Cecília Meireles, Drummond, Rosângela A. Castro, como ademais em qualquer outro poeta, chego à mesma conclusão: “Palavra revela,/palavra esconde,/palavra, aonde?”



Um comentário:

ju rigoni disse...

Oi, Eliane!

Hoje, domingo, estou por aqui a ler algumas das suas publicações. Amei essa aí. E tomo a liberdade de também deixar aqui a minha...

Palavra!...

Palavras têm sons,
cheiros diversos,
paladar, tato, visão.
Palavras têm sexto sentido
e escondem-se em palavras
não escritas, nunca ditas,
ou expressas e malditas.

Palavras têm prosa e verso,
têm alegrias, sorrisos,
belezas, inteligências,
tristezas, incoerências.
Palavras têm emoção.

Palavras têm amigos,
amores, amantes,
palavras têm paixão.

Palavras têm sexo,
pele, espasmos, orgasmos,
palavras têm tesão.

Palavras têm intransigência,
têm poder, têm violência,
têm tortura, amargura,
rancor, dor, truculência.

Palavras têm céu e inferno,
têm coragem e têm medo,
têm dúvida e opinião, -
palavras têm purgatório.

Palavras têm delicadeza,
ternura, meiguice, leveza,
inocência, timidez.

Palavras têm fogo,
ar, água, terra.
palavras têm pai,
mãe, irmãos,
palavras têm filhos,
povos, bandeiras, nação.
Têm limites, têm fronteiras,
- palavras têm dono sim!
Precisam de proteção.

Palavras têm morte em vida.
Palavras têm muita saudade
das palavras que elas têm.

Palavras têm vida pos-morten.

Palavra que têm!

(sem registro de data)

http://rigoni.wordpress.com/2008/10/18/palavra-3/

Um bjo. Inté!

(Tô catando aquela publicação, que vc sugeriu na mensagem que enviou-me...)